ZONA LIVRE


HUNGER, DE STEVE MCQUEEN
fevereiro 19, 2010, 8:36 am
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Reino Unido / Irlanda, 96min, 2008, cor, 35mm

>> inédito no Rio e em São Paulo

20/02, 20h, Sala 01
28/02, 16h, Sala 01

“Talvez o filme inédito da mostra com a maior carga de expectativa pelo público, por atingir todo tipo de procedência cinéfila e audiovisual, seja ela tradicional ou virtual, Hunger foi o  vencedor da Camera D’or no Festival de Cannes de 2008 e é dirigido pelo artística plástico Steve McQueen. O longa inevitavelmente deixa marcas por onde passa, tanto nos festivais quanto nos espectadores. O primeiro trabalho do diretor inglês surpreende por sua força descomunal e pelo ímpeto do autor em fazer um cinema onde todos os sentidos necessariamente devem estar despertos. Com seus longos e silenciosos planos em busca de algo que não pode ser dito com palavras, o filme prima por sua precisão ao percorrer este trajeto inóspito da dor.  Steve McQueen consegue denunciar sem apontar o dedo, instigar sem apresentar muito sobre seus personagens, ser envolvente e sensível sem precisar dizer muito e, acima de tudo, fazer desta proposta estética de “silêncios” (exaustivamente relida e revista em festivais atuais) uma abordagem pontual para suas intenções. O diretor já disse em entrevistas que “as pessoas se usam como armas quando não há mais saída”; neste longa de estréia, McQueen faz da sua obra uma arma das mais potentes.” – Davi pretto e Bruno Carboni, curadores da Zona Livre

Hunger, primeiro longa-metragem do artista inglês Steve McQueen – um nome topo de linha no cenário global da criação em diferentes meios (veja a seguir) – foi lançado oficialmente no Festival de Cannes 2008, onde venceu a Caméra D’or de Melhor Filme. Depois da estreia em grande estilo, o filme traçou uma trajetória inesgotável de sucesso e arrecadou mais de 30 prêmios em festivais no mundo todo, além de ser reconhecido por críticos de cinema renomados como um dos dez melhores filmes daquele ano. E é esta produção de alta relevância que o CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre (CEN) e o Centro Cultural Banco do Brasil têm o prazer de apresentar, na Zona Livre – Mostra Internacional de Cinema. As sessões deste aclamado drama rodado na Irlanda estão marcadas para os dias 20 e 28 desse mês, respectivamente as 20 e às 16 horas.

Uma odisséia na qual os pequenos gestos tornam-se épicos e onde o corpo é o último recurso de protesto, Hunger mostra os meses finais de vida de Bobby Sands, voluntário do IRA (Exército Republicano Irlandês) e membro do Parlamento do Reino Unido que, em 1981, liderou uma greve de fome e participou dos dirty protests na prisão de Long Kesh, através do qual prisioneiros republicanos tentaram conquistar o status de presos políticos.


Escrito com precisão pelo diretor e pela conhecida roteirista irlandesa Enda Walsh, Hunger é uma brutal, gráfica e pragmática interpretação de como foram as últimas semanas de vida de Bobby Sands (Michael Fassbender), que o dirigiram a uma lenta e dolorosa morte – tudo pela causa em que ele acreditava. O filme não debruça seu foco na exploração do histórico dos problemas da Irlanda do Norte, mas sim na força do ser humano e na utilização do corpo como uma poderosa arma.

O diretor afirma que sua intenção era fazer um filme sobre um mundo extraordinário que havia se tornado ordinário. Essencialmente, sobre o que nós, humanos, somos capazes moral, física e psicologicamente para sermos ouvidos.

Bem sucedido no propósito, Hunger é uma obra visceral que não apresenta a figura de Sands como um mártir ou um terrorista, e sim como uma figura enigmática, que decide passar fome até morrer como um último apelo para o reconhecimento.

A narrativa de Hunger se desenvolve com a estrutura de uma tragédia grega, dividida em três atos distintos, cada um com um estilo particular. A primeira parte evoca a claustrofóbica e violenta atmosfera dos H-blocks, área de segurança máxima da Maze Prison (localizada nas proximidades de Belfast) durante os chamados “dirty protests” – quando os membros do IRA que buscavam o reconhecimento de preso político passaram a urinar, espalhar fezes nas paredes e no teto das celas e recusaram-se a lavar-se como atos de resistência ao regime de prisão imposto a eles.


Contrastando com a primeira hora do filme, quase sem diálogos, o segundo momento da narrativa centra-se em uma conversa entre Sands e um padre católico (Liam Cunningham) a respeito da relação entre a moralidade e o suicídio. A cena foi gravada em um plano de 22 minutos em tempo real (na verdade, a quarta e última versão que a equipe gravou após ensaiar cerca de 20 vezes diárias durante uma semana). Completando o ciclo, na terceira parte, acompanhamos a greve de fome de Sands e a deteorização de seu corpo e mente 66 dias após o início da greve.

McQueen começou a pensar sobre Hunger em 2003. A ideia partiu de suas lembranças de infância entre os onze e 12 anos de idade, quando costumava ver todos os dias nos noticiários a foto de Bobby Sands com um dígito embaixo – que representava o número de dias da greve de fome do prisioneiro. “Aquilo causou uma grande impressão em mim, foi algo que eu nunca mais esqueci”, afirma. Partindo disso, ele decidiu criar um filme vívido em detalhes, para trazer de volta aquele acontecimento histórico quase como um registro de memória – mesmo para aqueles que nunca haviam entrado em uma prisão ou nunca tinham ouvido falar da greve de fome.

Para isso, sua estratégia foi buscar um sentido quase tátil na imagem. “Se você vê um pingo de chuva cair nas juntas de alguém, você consegue sentir aquilo, porque sabe como é a sensação física. Essa experiência sensorial aproxima o espectador de um envolvimento emocional”, explica ele, que se dedicou à intensiva pesquisa bibliográfica sobre os acontecimentos de 1981 na prisão. O único acesso visual que teve aos H-blocks foi um vídeo de 90 segundos, até então o único registro em vídeo dos pavilhões. Fora isso, o estudo incluiu um incontável número de entrevistas com ex-prisioneiros e funcionários, processo que ele define como “provavelmente a experiência mais pesada emocionalmente da minha vida.”

Outro ponto forte de Hunger são as performances dos atores. Liam Cunningham, o padre da “cena mais longa da história”, foi muito elogiado por sua atuação – assim como o alemão-irlandês Michael Fassbender, que passou dez semanas sob acompanhamento médico antes da cena final (a morte de um esquelético Bobby Sands), filmada em set fechado. “Michael se comprometeu totalmente com o papel, e eu acho que de alguma forma ele até mudou. Ele se tornou muito absorto, muito filosófico. Em certo ponto ele parecia o Bob Marley de um jeito, filosofando sobre o significado da vida e tudo o mais. Eu fiquei chocado, pensando ‘que p**** é essa que está acontecendo aqui?’”, exclamou o diretor, depois de chamar Fassbender de “extraordinário”.

Hunger tem um tom poético, que acumula poder conforme os minutos se passam, culminando em um final intenso. As filmagens têm uma pureza formal que ao mesmo tempo é descompromissada; lentamente, a câmera explora os silêncios e as perspectivas em busca do que não é dito em palavras, de uma forma igualmente sensível e poderosa. Alguns arriscam dizer que o diretor conseguiu a proeza de fazer um filme artístico sobre o IRA, afirmação que ele nega prontamente, dizendo que apenas intencionou ser o mais intenso e verdadeiro possível.

Vai ver o olhar artístico já é inerente a ele, após anos trabalhando e estudando as artes plásticas. O cineasta, inclusive já foi premiado com o importante Turner Prize, em 1999, por uma instalação de vídeo e exposição feitas no Instituto de Arte Contemporânea de Londres. E é um dos principais nomes esperados para a Bienal de São Paulo em 2010.

Hunger deixa marcas por onde passa. Mais do que político, é um filme existencial sobre um homem que foi até as últimas consequências pelos seus ideais, utilizando o corpo como a única arma em busca do reconhecimento. Na direção de Hunger, Steve McQueen se vale  das suas próprias artimanhas para contar essa história de forma poderosa e intensa – que você, agora, tem a chance de assistir com exclusividade na Zona Livre – Mostra Internacional de Cinema. Aproveite!
Andréa Azambuja

Steve McQueen

McQueen nasceu em 1969 e cresceu em Londres – e foi um prendado jogador de futebol, assim como um ótimo estudante em Arte. Tanto, que foi estudar a matéria formalmente, na  Hammersmith and West London College, na Chelsea College of Art and Design (89 – 90) e ainda na Goldsmiths College (90 – 93), onde começou a se interessar por filmes. Ele estudou também na Tisch School (93 – 94), em Nova York, mas achou que o local não era experimental o suficiente para ele: “eles não deixavam você jogar a câmera para o alto”, disse o artista.

Os filmes de McQueen, que normalmente são projetados em uma ou mais paredes de algumas galerias de arte, são freqüentemente em preto e branco e minimalistas. Ele cita a influência da Nouvelle Vague e de Andy Warhol em seu estilo, além de normalmente aparecer nas suas produções.

Seu primeiro trabalho importante foi Bear (1993), no qual dois homens nus (um deles McQueen) trocam uma série de olhares – que podem ser encarados tanto como paquera quanto ameaças. Uma das suas obras mais conhecidas, Deadpan (1997), mostra uma casa que desmorona em torno de McQueen, que sobrevive intacto ao se postar no espaço de uma janela faltando.

Além de em preto-e-branco, ambos os filmes citados são silenciosos. A primeira de suas realizações com som foi também a primeira onde utilizou imagens múltiplas na concepção: Drumroll (1998). Ele foi feito com três câmeras, duas colocadas do lado e uma na frente de um tambor de petróleo, que McQueen rolou através das ruas de Manhattan. Os filmes resultantes são projetados em três paredes de um espaço fechado em suas exposições.

Steve McQueen também faz esculturas (como Elefante Branco – 1998) e fotografa, além de ter lançado Hunger (2008), primeiro e único longa-metragem até agora. No meio disso tudo, o artista foi selecionado para representar o Reino Unido na Bienal de Veneza de 2009 e já assinou contrato para dirigir um filme sobre a história do musicista e ativista africano Fela Kuti – um dos pais do african beat. Fora isso, ele ainda foi premiado pelo OBE (Officer of the Order of the British Empire) na Queen’s Birthday Honors List de 2002, pelo seus serviços às Artes, e ganhou o Turner Prize em 1999 por uma instalação no Instituto de Arte Contemporânea de Londres.

Elenco

Michael Fassbender – Bobby Sands
Liam Cunningham – Priest
Stuart Graham – Ray Lohan
Liam McMahon – Gerry
Lalor Roddy – William
Laine Megaw – Mrs. Lohan
Helena Bereen – Ray’s mother
Aaron Goldring – young Bobby

Equipe

Direção – Steve McQueen
Produção – Laura Hastings-Smith e Robin Gutch
Roteiro – Enda Walsh and Steve McQueen
Música – Paul Davies
Cinematografia – Sean Bobbitt
Edição – Joe Walker
Distribuição – Icon Entertainment, Pathe Distribution (UK)



ZONA LIVRE 2010 – MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA


No contra fluxo do ritmo de Carnaval que se instaura na cidade, o Rio recebe em fevereiro uma mostra de cinema inédita, composta por um panorama de longas-metragens estrangeiros com pouca entrada no Brasil, mas que por outro lado possuem intensa circulação na web. Essa é uma das sugestões para o circuito off samba deste verão: a Zona Livre – Mostra Internacional de Cinema, que acontece entre os dias nove e 28 no CCBB Rio por iniciativa do CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre (CEN).

Confira aqui mesmo no blog o endereço e telefones de contato, a grade de programação e o catálogo completo da mostra para download, impressão ou leitura.

A programação conta com uma maioria de filmes inéditos no Brasil. Ao todo, a mostra traz para o Rio 19 títulos que circularam em festivais mundo afora, mas que terminaram por criar sua reputação e ganhar destaque num circuito paralelo: o da Internet, em fóruns e comunidades de cinema. À relevância de algumas obras, soma-se a saudável transposição desses ‘arquivos’, vindos das redes de cinéfilos na Internet, em ‘filmes’ exibidos em 35mm e DVD, autorizados por seus diretores, na consagrada experiência coletiva da sala de cinema.

Acesse imagens dos filmes em nosso canal no Flickr e assista trailers completos, de todos os filmes da mostra, no canal do festival no You Tube. A seguir, uma síntese da programação:

Intenso fluxo de informações, downloads, copyrights, copylefts e quebras de códigos de zonas de exibição habitam o emaranhado conceitual desta mostra, cujo objetivo é propor uma reflexão sobre a democratização e as vias paralelas da informação. Ao mesmo tempo, a Zona Livre também aborda o inevitável e permanente processo de troca de telas a que a imagem é submetida hoje em dia, neste caso do computador para a sala de cinema do CCBB-RJ.

Dentro desta idéia, alguns diretores com filmes presentes na Zona Livre participarão de debates online com o público do CCBB, via Skype: de diferentes partes do mundo, eles estarão em tempo real na sala de cinema conversando com os espectadores sobre suas obras. Por outro lado, o diretor norte-americano Cory McAbee estará no Rio de Janeiro pessoalmente, “offline”, para um debate com público na semana final da mostra.

A mostra Zona Livre surgiu em Porto Alegre, em outubro passado, dentro da programação internacional da edição 2009 do CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre. Na curadoria convidada pelos organizadores do festival para o projeto, dois jovens que representam a novíssima geração de produtores gaúchos plugados aos novos meios: Davi Pretto e Bruno Carboni, da Tokyo Filmes. A experiência bem-sucedida no sul, durante a sexta edição do CineEsquemaNovo, chega agora a outros centros com uma programação consistente para os cinéfilos de plantão em pleno fevereiro.

Todos os filmes da mostra receberão reportagens especiais aqui no blog. No catálogo, você confere mais informações sobre todos os títulos. Confira aqui a lista dos longas em exibição:

All About Lily Chou Chou, de Shunji Iwai (Japão)
>> inédito no Brasil

American Astronaut, de Cory McAbee (EUA)
>> inédito no Rio de Janeiro; exibido no Brasil apenas no CEN 2009

Black Night, de Olivier Smolders (Bélgica)
>> inédito no Brasil

Daytime Drinking, de Young-Seok Noh (Coréia do Sul)
>> inédito no Brasil

Ex-Drummer, de Koen Mortier (Bélgica)
>> inédito no Rio de Janeiro; exibido no Brasil apenas no CEN 2009

Glue, de Alexis dos Santos (Argentina / Reino Unido)
>> inédito no Rio de Janeiro

Good Dick, de Marianna Palka (EUA)
>> inédito no Brasil

Gozu, de Takashi Miike (Japão)
>> inédito no Rio

Hukkle, de György Pálfi (Hungria)

Hunger, de Steve McQueen (Reino Unido / Irlanda)
>> inédito no Rio e SP

Instrument, de Jem Cohen (EUA)
>> inédito no Rio

Man from Earth, de Richard Schenkman (EUA)

Moonlighting, de Jerzy Skolimowski (Reino Unido)
>> inédito no Rio

Nowhere, de Gregg Araki (EUA)

One night in one City, de Jan Balej (República Tcheca)

Sangre, de Amat Escalante (México)
>> inédito no Rio

Stingray Sam, de Cory McAbee (EUA)
>> inédito no Rio de Janeiro; exibido no Brasil apenas no CEN 2009

Taxidermia, de György Pálfi (Hungria)
>> inédito no Rio

Trash Humpers, de Harmony Korine (EUA)
>> inédito no Brasil